Friday, June 29, 2007

Sobre carros e aviões

Um comentário na Ribeira diz-me, sobre este blog e sobre os olhos abertos às mudanças na Terra e na civilização dos próximos anos, que toda a gente se assusta mas ninguém será o primeiro a deixar o carro em casa.

Também assim me parece, embora me tenha conseguido eu libertar do automóvel, sem grande custo. Vivo em Lisboa, ando de transportes ou a pé, e sinto-me bem. Mas não acho provável a difusão da consciência ecológica, ou da consciência política que é um subsistema dela, em tempo útil. As pessoas tendem a comprar um detergente biodegradável e achar que a seguir podem apanhar um avião para Pipa de consciência tranquila. Tivemos um exemplo recente quando a ANIMAL, a associação de defesa dos direitos dos animais, organizou uma manifestação anti-tourada no Campo Pequeno e anunciou a vinda de "militantes" do México e do Zimbabwe: admito que tenham vindo de avião, e assim contribuído para a destruição da biosfera - que é o que mais importa - muito mais do que contribuíram para o respeito ao touro e ao cavalo.

Que fazer?

Wednesday, June 27, 2007

E o Irão aqui ao lado

Jacques Bergier dizia que nesses livros poeirentos que os estudantes consultam em vésperas de exame (nota minha: em que planeta terá ele vivido?) há maravilhas e milagres; eu digo que nos jornais de economia há maravilhas e abismos.

Transcrevo do Jornal de Negócios online de hoje:

Bruxelas leva Portugal ao Tribunal de Justiça por causa do reactor nuclear de Sacavém

A Comissão Europeia (CE) referiu Portugal ao Tribunal de Justiça Europeu por falta de cumprimento de algumas obrigações relacionadas com as actividades do Instituto Tecnológico e Nuclear no âmbito das pesquisas no Campus de Sacavém.

"A Comissão Europeia pede uma acção legal contra Portugal por falhar na aplicação dos requerimentos do Euratom", de acordo com um comunicado emitido hoje por Bruxelas.

O Tratado Euratom exige que os Estados-Membros providenciem pela criação das instalações necessárias para efectuar o controlo permanente do grau de radioactividade da atmosfera, das águas e do solo, bem como o cumprimento das normas de segurança de base. O Tratado dá ainda direito à Comissão Europeia de aceder às instalações de controlo a fim de verificar o seu funcionamento e eficácia.

A Comissão já tinha enviado a Portugal um procedimento de infracção e "examinando a resposta das autoridades portuguesas, a Comissão estabeleceu que as condições actuais continuam a não ser adequadas" e por isso Bruxelas decidiu levar o país a Tribunal.

Tuesday, June 26, 2007

First we take Manhattan

Se eu fosse um bom jornalista e uma má pessoa, perguntava aos dois grandes candidatos à Presidência da Câmara de Lisboa qual se prevê seja o impacto na cidade das alterações de clima. Digamos, a dez anos de distância, 2017.

Vem isto a propósito de um programa anunciado pelo Mayor de New York (e cito o diário económico de hoje):

"O Presidente da Câmara de Nova Iorque propôs um plano para os próximos 25 anos em que a cidade deverá "deixar de estar em rota de colisão com o meio ambiente" (Economist, 28 de Abril, p.52). A frase não é no entanto vaga, nem necessariamente consensual. Para atingir esse resultado, Michael Bloomberg propõe 127 iniciativas relativas a terra, ar, água, energia e transportes, incluindo descontaminação de solos, plantação de um milhão de árvores, aumento da tarifa de electricidade de $2,5 por mês por cliente para melhorar a eficiência da produção energética, construção de pistas cicláveis e a aplicação de uma nova portagem de 8 dólares para os carros que atravessem a Ponte de Manhatan, só com o condutor. Neste momento, apenas 5% dos habitantes se deslocam para a cidade de carro, mas a redução desse nível e a maior eficiência energética permitirão, a prazo, reduzir em 30% o nível de emissões de dióxido de carbono."

Note-se, além do mais - e o mais é a taxa para automóveis com um só passageiro -, o espantoso número de 5% dos habitantes a entrar de carro. Em Lisboa fala-se em 400.000 automóveis/dia (número de fontes não confirmadas, diz a parte rigorosa de mim).

Falésias

"Quando era pequeno não sabia das falésias", disse eu (ou disse qualquer coisa parecida) na Ribeira Negra há um dia ou dois. A Ribeira voltou a correr por dentro, e o mundo fica agora neste blog de insurreição. Falava de outras coisas, claro, mas lembrei-me do fabuloso "Sobre as falésias de mármore", o livro de Ernst Jünger que contava uma outra maré negra, maré alemã e bárbara que arrasou o mundo mais do que queremos saber.
E hoje - aprendi a respeitar as "coincidências" - leio no jornal que daqui a 50 anos as falésias algarvias serão falésias de betão, a guardar prédios que nunca devíamos ter deixado erguer.
Os jornais fingem sempre que estamos mesmo no meio de duas épocas de crise, num lugarinho ao sol entre duas chuvadas. Fingem sempre que olhamos a maré negra do cimo de uma falésia grande. Falésias de mármore e betão, falácias de papel e medo.

Friday, June 22, 2007

Mudanças, guerras, bancos, eu

Lembro-me de há muitos anos, talvez uns vinte, ter aterrorizado um devoto benfiquista dizendo-lhe que chegaria o dia em que a mística do futebol (acho que ainda não tinham inventado esta expressão) seria usada para controlar as massas. Andava então a ler uma história americana em que os impérios do século XXII usavam tecno-gladiadores para manter contentes os filhos das cidades em ruínas.

Há vinte anos havia guerra, ou a lembrança e o receio da guerra, e hoje os impérios limitam-se a andar mais insolentes.

Mas nem eu, que tanto aprendi com a ficção científica, me tinha lembrado do Banco do Benfica. Aqui

Wednesday, June 20, 2007

Plano Verde, Pleno Branco: Lisboa

Facto 1: Os representantes do PS, PCP, PSD e CDS na Assembleia Municipal de Lisboa, ontem reunida para deliberar sobre a Estrutura Ecológica Municipal, Plano Verde para a Cidade de Lisboa, decidiram - em véspera de campanha eleitoral - não decidir. O Plano "baixou" à Comissão Permanente de Ambiente e Qualidade de Vida.

Facto 2: Já a 7 de Maio a Comissão Permanente (da Câmara) para o Acompanhamento da revisão do Plano Director Municipal aprovara, por unanimidade, um parecer favorável à integração do Plano na revisão do PDM da cidade. A Comissão Permanente do Ambiente, essa, não pediu o adiamento da decisão.

Facto 3: A integração do Plano Verde nos planos municipais nasceu desta Proposta , do vereador José Sá Fernandes (deixo aqui link para que se possa ver, em video , aquilo de que se trata).

E pronto. Vale a pena acrescentar que falamos de um plano urgente para manter habitável a maior cidade do país, e que falamos - com este ou com outro de efeito equivalente - de uma coisa simples como o cumprimento da lei? Vale a pena dizer que a escolha é entre um espaço-pulmão e um espesso-betão?

Vale pois. Vale a pena comparar, em cada um dos deputados municipais, em cada um dos candidatos à Câmara de Lisboa, as palavras e os actos, as promessas e as decisões, os discursos e os percursos. E vale a pena ver como o interesse no desenvolvimento apregoado com o rigor do PS, a competência do CDS e a seriedade do PSD se casa tão depressa com o envolvimento nos interesses que em Lisboa realmente mandam. É que os promotores imobiliários precisam de uma Câmara imóvel.

Os lisboetas podem agradecer aos seus deputados municipais. Desde ontem ficamos com a prova de que os senhores que gerem Lisboa não têm falta de ideias novas, mas excesso de ideias velhas: que Lisboa seja esta coisa pobre que temos, que a Câmara seja esta coisa à deriva que tem sido. E para isso só pedem aos lisboetas que sejam a coisa obediente que sempre foram. E que devotadamente neles votem.

A Câmara deve ser gerida, claro. Mas é preciso, antes de mais, que seja gerada pela gente que é Lisboa. Para que a gestão camarária deixe de ser a digestão da cidade. Mesmo quando a digestão se faz pela barriga de um arquitecto.

Wednesday, June 13, 2007

O ex-plendor 2

Ontem intitulei "ex-plendor" uma remissão para o blog De Rerum Natura antes de ter sido, lá, publicado mais este texto, Aqui . De modo que retiro a referência a "Portugal". A maré negra não sabe de fronteiras, pois.
Falta dizer que a conversa de tolos que desde há vinte anos (estou a ser optimista) tem vindo a ser o objectivo da educação escolar dos programas estatais tem um curioso efeito social: a manutenção das hierarquias (não apenas económicas) que a escola pública e o ensino obrigatório pretendiam, precisamente, diminuir - se não na sua realidade, pelo menos no seu efeito de restrição prática à liberdade.
Quem nasce e cresce rodeado de livros e música e filmes, com possibilidade de assistir e gradualmente participar em conversas de adultos sobre cultura, política, arte e religião, quem nasce e cresce em contacto diário com adultos ou crianças mais velhas minimamente atentas à correcção de linguagem, ao rigor na expressão das ideias, à sensibilidade estética - chegará ao fim da adolescência com um capital humano (para além do eventual capital propriamente monetário de que disponha) imprescindível para a sua sobrevivência no topo das pirâmides sociais.
Em Portugal, onde para além do mais praticamente se não editam livros, o problema é, claro, mais grave.

Tuesday, June 12, 2007

O ex-plendor de Portugal

"Embora cada projecto tenha especificidades próprias e não haja uma norma de actuação, para clarificar o que se pretende, apresentam-se de seguida alguns aspectos a considerar que podem alimentar o debate para responder a este item"

A acreditar em Carlos Fiolhais, no blog De Rerum Natura, o autor do inacreditável texto que começa desta maneira auspiciosa está no Ministério da Educação a dar conselhos sobre o ensino da Matemática. A ver, Aqui .



É claro que isto, por si, é insignificante, como é insignificante a poluição feita por um único automóvel, o derrube de uma única árvore, o riso alarve de um único imbecil.

É apenas mais uma luz a apagar.

Friday, June 08, 2007

Lisboa a sério

Do Jornal de Negócios online, notícia na integra aqui

Peter Hoeppe, cientista-chefe da Munich RE, uma das maiores resseguradoras do Mundo, lança o alerta de que 2007 possa ter alguns dos piores furacões de sempre, o que terá grande impacto no preço do petróleo e nos custos das seguradoras. Numa visão a longo-prazo, este cientista afirmou à Bloomberg que é possível que Lisboa comece a ser fustigada por furacões, fruto do aquecimento global.


Mas porque Portugal não é só Lisboa, nem a mudança climática é só um furacão, e nem temos que enfrentar, nos próximos 10 anos, apenas a mudança climática, convém começar a perceber que a hipótese de colapso do mundo tal como o conhecemos - o mundo do business as usual - já não está apenas na cabeça dos escritores de ficção científica e dos crentes num interventionist god.

É esta, claro, a grande oportunidade daquilo a que hoje em dia se chama fascismo. Suponho que a esquerda ainda não o percebeu, e os fascistas propriamente ditos também não. Como dizia há duzentos anos um príncipe russo ou austríaco cujo nome esqueci, o poder não se proclama - manifesta-se.

Lisboa: números

Dar aos números a importância dos números, disse eu mais atrás sobre Lisboa. Está Aqui aquilo de que eu falava.

rOta

Falava ontem da divulgação de informação, e eis que o "Público online" (bendito seja) brinda hoje com o site da NAER. Coisas sobre o aeroporto de Lisboa e a Ota. A NAER é uma sociedade criada por Decreto-Lei (o que significa que pertence ao Estado). Pode ver-se Aqui

Particularmente curioso é isto (não me refiro à vírgula mal colocada):

"Os documentos abaixo disponibilizados, fazem parte do conjunto de estudos que a NAER vem promovendo desde 1998 em relação com o projecto do novo Aeroporto.

A natureza de algumas das matérias sobre as quais incidiram os estudos, bem como o próprio volume de vários dos documentos, não permite a sua divulgação pública, pelo que alguns estudos são apresentados sob a forma de extractos
."

A NAER entende que o volume de vários documentos não permite a sua disponibilização na internet. Não vá a Rede ficar saturada e ter de ser construída outra.

Foram efectuados estudos sobre matérias que não podem ser divulgadas. Sabemos quais? Corre o boato de que Rio Frio seria mais adequado para encontros secretos com extraterrestres. E que os americanos ameaçaram o nosso governo de retaliar, passando a impedir que cheguem a Portugal os próximos video-clips de Madonna.

Thursday, June 07, 2007

Sobre o Gonu e os museus

Embora seja, ao que parece, mais importante prestar atenção ao que se está a passar na Groenlandia, tornou-se habitual apontar como indicador das alterações climáticas - pelo menos, do impacto delas em nós - a supostamente crescente intensidade das tempestades subtropicais (quem se esqueceu do furacão Katrina?)

Por isso é curioso que o ciclone Gonu - dado como o mais violento jamais registado à entrada do Golfo Pérsico - não tenha sido praticamente falado na nossa imprensa. Mesmo nos jornais económicos, normalmente atentos a tudo o que possa influenciar o preço do petróleo. Atingiu Oman, em plena região petrolífera, na quarta-feira (imagem). Fez evacuar milhares de pessoas. Dois dias antes (ainda no alto mar) atingira o nível 5: intensidade máxima, destruição total.


Aqui fica um link , e os motores de busca fizeram-se para isso mesmo.

Mudando de assunto, há umas semanas os jornais referiram - após a confirmação, pelos sempre pessimistas serviços ingleses de meteorologia, de que o Verão de 2007 tinha fortes possibilidades de ser um dos mais quentes registados na Europa, como vem sendo habitual - um "plano" do Governo para acudir aos doentes e idosos sem capacidade de suportar o calor (já lá vai o tempo em que os velhos tinham medo era do Inverno). Falava-se de disponibilizar espaços públicos como museus e bibliotecas.

É louvável o esforço, que aliás faz irresistivelmente lembrar a salvadora biblioteca de "O dia depois de amanhã". Mas continua a faltar informação. Está publicado um denso relatório sobre o impacto climático em Portugal (25 € nas livrarias). Convinha conhecer, em linguagem acessível, as conclusões e as medidas - se as houver. Convinha saber o que se passa, ou o que se prevê que se passe, com a água dos três rios espanhóis (Douro, Tejo e Guadiana, pois). Convinha saber o que se passa em termos de florestas e prevenção de incêndios. Convinha saber o que se pensa fazer ao que resta das regiões agrícolas.

Talvez encontremos tudo isso nas bibliotecas e nos museus, quando para lá formos.

O acessório e o essencial

O acessório é, e vai ser, avidamente explorado pela imprensa, pela "blogosfera" e por imensa gente mais. Reproduzo o "Público" de hoje e não vale a pena perder mais tempo.

O essencial, na sua dimensão simbólica, já é de conta da Maré Negra: o centro de Lisboa está atafulhado de uma multidão de automóveis e é preciso parar com isso já. Fizeram-se estacionamentos na Praça da Figueira, na Praça de Camões, na Calçada do Combro (este, um mamarracho de inconcebível mau gosto), e por pouco se não destruiu o Largo Barão de Quintela. Deve haver mais de que não me lembro ou não sei (não tenho automóvel e mesmo quando o tinha não me passava pela cabeça levá-lo para a Baixa). Precisamente nessas zonas, a maior parte das casas estão degradadas, se não abandonadas e a cair. Com excepção do Bairro Alto, não há ninguém nas ruas à noite. O tráfico de droga faz-se em cada esquina. O património arquitectónico e histórico é transformado em condomínios fechados.

E isto não é um problema que possa ser isolado de uma estratégia geral para a cidade, que falta, e que não pode ser levada a cabo sem que se pense na questão da propriedade urbana e do arrendamento. E estas dependem do que se faça com o emprego. E o emprego não pode ser separado da educação. E de um plano geral para o país a um prazo tão longo quanto o horizonte das alterações climáticas possa permitir (o que quer dizer, com grande pena minha, quinze a vinte anos).

Talvez o José Sá Fernandes faça bem em querer o livro branco da BragaParques. Eu penso que têm de nos ser dada, já, informação credível sobre o estado do País (basta ver o que se passa com o aeroporto para perceber do que falo). Nem dados há sobre a maior parte dos asuntos. E dados não são informação. Refiro-me à divulgação pública e gratuita de informação na internet. Compreendo que até há quinze anos fosse complicado entregar em casa das pessoas milhares de volumes impressos. Compreendo que a maior parte das pessoas não queira usar essa informação. E nem a saiba usar, ainda que queira. Afinal, há vinte anos que as escolas derramam ignorância e confusão nas cabeças dos estudantes, como petroleiros afogados no mar. Compreendo imensas coisas. Mas o poder está na informação, ou está, definitivamente, fora de alcance.

Tenho pena de não ter coração. Mas autarcas investigados e meninas loiras desaparecidas ocupam um lugar muito lá em baixo na minha lista de assuntos.


Público, edição online.
Sá Fernandes quer "livro branco" dos negócios com a Bragaparques
07.06.2007 - 13h57 Lusa

José Sá Fernandes disse hoje que vai pedir à comissão administrativa que gere a câmara de Lisboa a relação de "todos os negócios" com a Bragaparques até às eleições intercalares, em nome da "transparência". "Este último executivo não me deu essa relação. Vou pedir à comissão administrativa. É a única maneira de acabar com o jogo do empurra. Exijo um livro branco de todos os negócios com a Bragaparques", afirmou o candidato independente apoiado pelo Bloco de Esquerda.
À margem de uma acção da pré-campanha eleitoral para a câmara de Lisboa, no aeroporto da Portela, Sá Fernandes defendeu que, "a bem da transparência", os cidadãos de Lisboa devem poder ter acesso à relação de todos os negócios com a empresa Bragaparques.
O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) informou terça-feira que solicitou à PJ que procedesse à "averiguação prévia documental" relativamente ao projecto de construção de gestão do parque de estacionamento subterrâneo da Praça da Figueira.
O processo foi aberto na sequência de declarações do ex-presidente da Câmara de Lisboa Carmona Rodrigues ao "Expresso", de modo a verificar se existe suspeita da prática de ilícito criminal.
Em entrevista à última edição do "Expresso", Carmona Rodrigues, candidato independente às eleições intercalares para a autarquia da capital, responsabilizou João Soares (que liderava na autarquia uma coligação PS/PCP) por ter trazido a Bragaparques para Lisboa.
Ao "Expresso", Carmona Rodrigues disse ter ficado "de boca aberta" quando Domingos Névoa lhe contou ter construído o parque da Praça da Figueira "sem concurso", sem "processo na câmara" e sem facturas.
Em declarações à Lusa, o ex-presidente da Câmara de Lisboa João Soares disse ontem desconhecer qualquer "averiguação prévia documental" pela Polícia Judiciária à construção e gestão pela Bragaparques do parque de estacionamento subterrâneo, mas afirmou concordar com a iniciativa.
O autarca socialista afirmou que "tudo o que foi feito" nos seus mandatos na autarquia da capital - seis anos como vereador e seis anos como presidente - "foi feito no quadro da mais estrita legalidade".

Tuesday, June 05, 2007

Lisboa: a mão que embala o berço

Ao contrário do que pode parecer ao fim da primeira semana de pré-campanha, não é verdade que PS, PSD e CDS andem ainda à procura de uma ideia para Lisboa, de um projecto para a Câmara, de uma proposta para os lisboetas.

Têm, todos, de Lisboa, uma ideia clara - que seja isto que temos.

Têm, todos, para a Câmara, um projecto claro: que seja isto que tem sido.

Têm, todos, para os lisboetas, uma proposta clara: que sejam isto que sempre foram.

Pedir-nos que escolhamos entre o rigor (PS), a competência (CDS) ou a seriedade (PSD) não é sinal da ausência de ideias novas, mas da enorme força das ideias velhas; falar-nos de coisas insólitas como os grafitti do Bairro Alto (tema de abertura de Telmo Correia) não é sintoma de desespero, mas de que o essencial se considera ganho; dar-nos a optar entre o nada e a coisa nenhuma não é confissão de incapacidade, mas declaração de antecipada vitória: Lisboa está a morrer porque há quem viva das cidades mortas.

Lisboa perdeu, em vinte e cinco anos, um terço da sua população residente; mas o essencial é que se mantenha o gigantesco projecto imobiliário desenvolvido com o rigor do capitalismo, a competência dos investidores e a seriedade dos interesses.

Lisboa perdeu árvores e sombras, casas e caminhos, centros pequenos e periferias próximas; está alagada em cimento, afogada em automóveis, entulhada de vazio; dos seus bairros históricos restam milhares de casas a cair e multidões de velhos sozinhos; os seus bairros sociais são a negação da cidade e a denegação da cidadania; mas o essencial é manter a segurança dos que assim se sentem seguros, a liberdade dos que assim se crêem livres, a fraternidade dos que assim se sabem senhores.

No eterno berço do desenvolvimento, o lucro e o poder são a mão que eternamente embala.

Há um programa para a cidade que não assenta em desenvolver Lisboa mas em devolver a Lisboa as pessoas dela. Que não propõe modernizar, mas harmonizar. Que quer a transparência da democracia e não a aparência da neutralidade técnica. Que dá aos números a importância dos números, e à qualidade o valor da qualidade. Que sabe que PDM não é a sigla de Para Dar Mais.

Esse programa está condensado Aqui e vem na sequência deste outro Aqui .

Há um programa para a cidade e há eleições em Lisboa. Há uma dívida astronómica, investigações policiais, estratégias de poder, rivalidades e alianças de poderosos. Vai haver uma campanha de ensurdecer, um ribombar de insignificâncias, uma apoteose de lugares-comuns. Mas tudo isso em volta de uma cidade, e tudo isso em volta de muitas vidas. A nossa. As nossas.

Quase já não sabemos o que é uma cidade viva. Quase já não sabemos o que pode ser uma sociedade livre. Não gostamos de pensar que estamos em guerra. Não gostamos de pensar na maré negra. Mas a maré negra avança e estamos em guerra sim. Contra a subserviência disfarçada de rigor, o abuso mascarado de seriedade, a pilhagem sistemática revestida de competência. Porque estamos em guerra contra quem guerra nos faz, mesmo quando não damos por isso e mesmo quando nos queremos esconder nas areias do dia. Areias leva-as o mar, areias são as primeiras a saber a maré negra. Já adiámos dias demais.

Vivemos num mundo em que acordar é discordar e em que existir é resistir. Não fomos nós que o fizemos. Mas não foi ele que fez tudo o que em nós há. Vivemos numa cidade e num país e num mundo que podem mudar, e que todos os dias mudam. Para o melhor e para o pior. Talvez não haja solução. Talvez haja e não a encontremos. Talvez a encontremos e seja tarde demais. A mão que embala o berço já abalou os fundamentos do mundo. Mas talvez o mundo esteja ainda na nossa mão.

Lisboa e Portugal e o mundo estão a um passo de muita coisa. E uma delas é serem só o espaço de alguns. Mas agora vai haver eleições em Lisboa, e não vai haver eleições no mundo. E trata-se de travar a apropriação de Lisboa para que Lisboa seja uma cidade apropriada. É agora, e Lisboa agora é urGente.