Sunday, July 31, 2005

Foreign languages?!

Por qualquer razão estranha, o Ministério da Educação considera que proporcionar às crianças a aprendizagem do inglês é ensinar-lhes uma "língua estrangeira".

Talvez tenham uma ideia muito legalista da localização das fronteiras do Império.

Entretanto, as novas gerações da "classe alta" desistiram do francês e do alemão, e rir-se-iam se alguém lhes propusesse aprender árabe, russo, mandarim ou japonês. O latim e o grego são mais raros do que a bondade. Devagarinho, deixo de ser inculto sem aprender uma única coisa.

PIB?!

Um índice muito mais simples do grau de desenvolvimento de um país: o número de livros de bolso disponíveis.

Friday, July 29, 2005

Deadly Lights

The most merciful thing in the world, I think, is the inability of the human mind to correlate all its contents. We live on a placid island of ignorance in the midst of black seas of infinity, and it was not meant that we should voyage far. The sciences, each straining in its own direction, have hitherto harmed us little; but some day the piecing together of dissociated knowledge will open up such terrifying vistas of reality, and of our frightful position therein, that we shall either go mad from the revelation or flee from the deadly light into the peace and safety of a new dark age.

H.P. Lovecraft, "The Call of Cthulhu"

Thursday, July 28, 2005

Jovem, não te drogues!

Há muitos anos atrás estava eu numa escola onde trabalhava quando nos pediram para que as aulas fossem interrompidas durante uma hora a fim de que os estudantes tivesem disponibilidade para assistir a uma conferência - promovida por já não me lembro que organização financiada pelo Estado - dedicada ao "combate à droga". Chovia. Já tinha lido o jornal (nesse tempo lia muitos jornais). A internet não existia. Fui assistir.

O orador era um juiz desembargador cujo nome, infelizmente, também esqueci. Fiquei com a ideia de que fosse um bom homem. Nada na sua indumentária apontava para o gosto pelo luxo. Nada no seu discurso apontou para estarmos perante um polícia ou um inquisidor frustrado. Falou dos flagelos sociais. Das prisões que disse conhecer bem (esperemos que por fora). Da dependência. E no fim, fez um apelo. "O que nós temos a dizer é muito importante", disse, e a voz soou mais forte "Jovem! Não te drogues! Experimenta antes passear na montanha!".

Uma das razões por que gosto mais dos livros do que da vida é poder reler as coisas que não percebi bem. Na vida não podemos voltar atrás nem cinco minutos. De modo que fiquei a pensar se teria adormecido por instantes e perdido alguma coisa essencial. As dezenas de adolescentes presentes tinham um ar constrangido.

A droga é um dos maiores negócios do planeta. Se o dinheiro que movimenta se evaporasse por magia instantaneamente, o mundo demoraria umas horas a entrar numa catástrofe económica sem precedentes. Tem, sobre outros negócios, a vantagem de não ser regulado. É dos poucos que funciona, quase perfeitamente, em obediência às regras de "mercado". Pensei, com alguma apreensão, em que medida o Desembargador tinha capacidade para a ele se opor. Pensei que não me competia julgar um homem (que me parecera bom) mas uma política. Pensei, com mais apreensão, em que medida poderia um governo como o português opor-se ao capitalismo sem regras. Procurei alguns números, e os que encontrei assustaram-me. De quanto dinheiro falamos quando falamos dos senhores da droga. Pensei que expor o negócio poderia ser mais eficaz do que apelar às montanhas. Li os argumentos económicos dos defensores da regulamentação da droga (ou seja, dos que defendem que todos ganharíamos se os donos das empresas da droga fossem, como por exemplo os banqueiros, submetidos às regras pensadas para as empresas). Falei com alguns polícias que têm a seu cargo esse sector.

Aquilo que me disseram tem, pareceu-me, uma consequência engraçada. Para o empresário da droga é preferível manter-se à margem do sistema legal. Não é, como algumas pessoas com quem tentei discutir isto me disseram, porque assim "não pagam impostos". Pagam-nos indirectamente, e chamamos a isso "branqueamento de capitais". Embora as empresas em si permaneçam no limbo da "não-legalidade", os lucros por ela distribuídos aos sócios dão entrada, diariamente, nos circuitos "clean" de dinheiro, mediante o pagamento de um elevadíssimo preço. A vantagem dos empresários da droga é não estarem submetidos às regras de regulação da concorrência, de regulação da relações com trabalhadores, de regulação das relações com os credores. O "dealer" de esquina não desconta para a Segurança Social nem tem direito à greve. O credor (quer o consumidor final quer o fornecedor de matérias-primas ou de serviços) não tem acesso a tribunais. O concorrente não tem como se queixar de "práticas ilícitas".

A questão é saber até que ponto vai o grau de racionalidade económica dos empresários da droga. Admitindo - à falta de dados concretos, limito-me a presumir - uma correlação entre a capacidade de actuar racionalmente e o volume de capitais disponíveis (para dar um exemplo, um empresário rico pode contratar bons gestores e conselheiros), seria importante saber se neste negócio há, ou não, uma tendência para aquilo a que os economistas chamam uma "concentração vertical". No fundo, há dois cenários possíveis: no primeiro, a droga é, desde os campos da América do Sul e da Ásia até às esquinas das grandes cidades do Ocidente, sucessivamente vendida e revendida (com elevadas margens de lucro para cada intermediário). No segundo, a mesma organização assegura a produção das matérias-primas, a fase da manufactura, o transporte e a venda (a grosso ou a retalho). Em mercados não regulados, dizem-me alguns economistas, a acumulação de riqueza dá-se, essencialmente, quando se verifique o segundo cenário. Ou seja, se as empresas da droga se tiverem organizado segundo o modelo das grandes multinacionais do séc. XX, os seus donos terão, sem dúvida, algumas das maiores fortunas privadas do mundo.

A questão seguinte é a de saber se, nesse caso, estão eles dispostos a usar os seus recursos financeiros para assegurar a manutenção da fonte da sua riqueza, ou seja, a manutenção do mercado em que operam à margem da regulação legal. Mais brutamente, se estão ou não a persuadir os Estados a manter a proibição da droga.

A passagem de um raciocínio deste género para as conspiration theories de que fala a zazie nos comentários aos posts anteriores é uma linha muito ténue. Eu diria que devemos ser racionalmente paranóicos, e que esse é, no essencial, o método de raciocínio que permite progredir no conhecimento. O exemplo mais simples é o do detective dos romances policiais que considera todos como suspeitos, mas nenhum como culpado enquanto não houver provas firmes da autoria do crime. Tem de recusar a tentação de acreditar numa culpa e a tentação de acreditar numa inocência. Tem de esquecer as suas próprias crenças, ou melhor, de submeter permanentemente as suas próprias (e inevitáveis) crenças, simpatias e desgostos ao teste frio dos factos que, possivelmente, as desmintam. Tem, no limite, de se alegrar se descobrir que seguiu uma falsa pista: cada refutação da teoria que admitia como certa conduz à aproximação ao resultado final.

E volto ao meu bondoso juiz, para poder um dia destes voltar aos Condoleezza Blues, e a outras coisas mais interessantes. Talvez os empresários da droga não durmam com medo de que milhares de oradores convençam um dia milhões de jovens a encher as montanhas em vez de se drogarem; talvez o homem fosse um malicioso agente de sinistros milionários, pago a peso de ouro para meter a ridículo a vida saudável. Talvez nem uma coisa nem outra. Não é daí que vem a maré negra. A maré negra vem de não sabermos pensar. E eu, que sou paranóico, ponho a hipótese de alguém ganhar em que nós não pensemos.

Condoleezza Blues (II)

Uma das coisas extraordinárias na evolução do pensamento do Prof. Freitas do Amaral para quem não conheça o pensamento do Prof. Freitas do Amaral é a sua atitude face ao governo americano. Claro que se não pode pedir ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de um país (ou de uma coisa parecida com um país, como é Portugal) que use o seu poder para levar a cabo uma política contrária à que o Primeiro Ministro definiu e o povo aplaudiu eleitoralmente. Pode-se é pedir a uma pessoa que se opõe à intervenção "aliada" no Iraque que não aceite ser Ministro de um Governo que mantém, e tenciona manter, uma presença militar no território da guerra. E vice-versa, claro.

Tentei encontrar na net referências mais precisas, sem sucesso; mas estou lembrado de um conjunto de afirmações inequívocas de FA nesse sentido, e inclusivamente de uma corajosa participação ao lado de dirigentes do Bloco numa sessão pública em Lisboa. Como não costumo ver televisão, escapou-me (ou melhor, escapei eu) a uma entrevista dada por FA a Judite de Sousa a 2 de Junho último (ver http://www.embaixada-portugal-fr.org/Freitas%20Amaral2-6-05.htm).

Transcrevo uma das afirmações: "Relativamente à presença das tropas portuguesas, aí eu mudei em parte de opinião. Para além dos PALOP, há outros locais do mundo em que uma presença, mesmo que simbólica, pode ter significado. Recordo-me que passou por Lisboa o número dois de Condoleezza Rice, o Sub-secretário de estado norte-americano Dr. Zelik [SIC], que comentando a presença de oito guardas da GNR no Iraque disse que o que importa é o princípio, não é o número."

Duas coisas: primeira, pensei que a oposição à presença portuguesa no Iraque era, exactamente, uma questão de princípio. segunda, uma bolacha a quem souber quem é este Dr. Zelik - assim com este nome, tem ar de vilão de banda desenhada. Mas pelos vistos, "passa por lisboa" e o governo "muda de opinião".

O Condoleezza III vai ter direito a foto. Não resisto.

Monday, July 25, 2005

Condoleezza Blues

Facto 1: Desde 1954 que, todos os anos, alguns dos homens e mulheres mais poderosos do Império se reúnem, durante um encontro ameno de dois ou três dias, com aqueles que vão ser "lançados" nas esferas internacionais; são os encontros Bilderberg (o nome é o do hotel de uma cidadezinha holandesa onde se realizou o primeiro desses encontros), vedados a jornalistas, onde só se está presente por convite e que terminam sem que seja publicado qualquer relatório oficial.

Facto 2: Entre 3 e 6 de Junho de 2004 teve lugar em Itália a 52.ª sessão do Bilderberg. O anúncio da lista de convidados foi disponibilizado no início de Maio. Tema principal, as relações USA-Europa, no contexto da guerra do Iraque, da reestruração da NATO e da evolução da situação chinesa. Presenças portuguesas: Francisco Pinto Balsemão, Pedro Santana Lopes, José Sócrates e António Vitorino (este não na qualidade de "português", mas na de "europeu", dado o seu cargo de comissário).

Facto 3: No início de Maio de 2004, o Primeiro-Ministro de Portugal era Durão Barroso; Santana Lopes era Presidente da Câmara de Lisboa; José Sócrates era deputado. Foi a 25 de Junho que Portugal soube da ida de DB para Bruxelas, e da indigitaçãod e Santana para chefiar o Governo. Nenhum dado aponta para que a saída do primeiro ministro estivesse já prevista um mês e meio antes. Pouco tempo depois demite-se o secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, sucedendo-lhe José Sócrates.

Hipótese: Quem convidou Santana e Sócrates (necessariamente nunca depois de Abril) sabia bem o que ia acontecer. Pena que nós não soubéssemos.

Questão: Vai haver Presidenciais. Os jornais têm discutido ambições (que são legítimas, mesmo que dementes) e estratégias pessoais e partidárias; tem-se mantido um silêncio curioso sobre quem será o presidente preferido pelo Império. Pena que nós o adivinhemos.

Wednesday, July 20, 2005

Coisas pequenas

Hoje jantei num restaurantezinho do meu bairro; era tarde quando deixei de trabalhar e estava demasiado cansado para ir para casa tratar de mim. Havia televisão (uma coisa chamada batmanetes ou algo parecido). Fui buscar um jornal. Retive algumas informações úteis:

- O Ministro dos Negócios Estrangeiros e candidato a candidato a presidente (pela "esquerda") disse coisas interessantíssimas:

(1) disse que o "povo" tem de compreender "os impostos não aumentam por sadismo". Eu compreendo isso. Ser ladrão e sádico não é para qualquer um. É mais simples ser ladrão, simplesmente.

(2) disse que Salazar, quando subiu ao poder e encontrou as finanças num caos, "aumentou os impostos em 15% e não em 2%, como agora com o IVA". Não percebi essa: o IVA não aumentou 2%, aumentou 10,5% - ou seja, está 10,5% mais elevado DO QUE ESTAVA. Ah, mas até os jornais vão nesta conversa! Já não se aprende matemática elementar? Será por isso que houve os tais 70% de negativas nos exames do nono ano?!

(3) disse também que não compreende que as pessoas se tenham sentido enganadas com o aumento dos impostos depois de ter sido prometido, em campanha eleitoral, que eles não subiriam.

- Interessante foi também (mesmo jornal, DN de hoje) ver números da Fundação Gulbenkian: primeiro as boas notícias - o orçamento deles para 2004 foi de cem milhões de euros. Valha-nos isso. Agora as más: 42% desse orçamento são "despesas com pessoal". Portanto, 42 milhões de euros para manter a máquina a rodar. E agora as péssimas: a Fundação tem cerca de 500 funcionários no activo. E paga também a... 1.200 "reformados". Não se fazem omoletes sem partir ovos. Mas também não se fazem omoletes quando todos os ovos já foram partidos.

Monday, July 11, 2005

Maré Negra



Há um tempo para olhar, um tempo para enfrentar a maré negra. Tempos de voar de coruja e tempos de voar de falcão, dizia D. João II há tantos anos. Mas agora é mais do que isso.

O meu blog Ribeira Negra foi por mais de um ano um caminho para aprender a ver. Ver o mundo com olhos diferentes dos que nos dão quando crescemos, olhos que fingem que as coisas são como gostaríamos que fossem. E ver o mundo só se faz vendo cá dentro as coisas que nos vão fazendo.

Aqui trata-se da maré negra. Não há tempo a perder. No meio de tanta gente, de tantas palavras, de tantas intenções boas e de tantos momentos de verdade, a sombra alastra no mundo, e não é a sombra magnífica da noite mas o vulto baço das trevas. E não me digam que as trevas são iguais à noite, que o negro nunca é o caminho da verdade que nos surge quando as luzes mortas se rasgaram. A noite sabe ser igual à dança que nos criou. Mas com as trevas não estou disposto a falar.

Os cobardes, esses, rirão mais. Mas não terão música para dançar.