Ao contrário do que pode parecer ao fim da primeira semana de pré-campanha, não é verdade que PS, PSD e CDS andem ainda à procura de uma ideia para Lisboa, de um projecto para a Câmara, de uma proposta para os lisboetas.
Têm, todos, de Lisboa, uma ideia clara - que seja isto que temos.
Têm, todos, para a Câmara, um projecto claro: que seja isto que tem sido.
Têm, todos, para os lisboetas, uma proposta clara: que sejam isto que sempre foram.
Pedir-nos que escolhamos entre o rigor (PS), a competência (CDS) ou a seriedade (PSD) não é sinal da ausência de ideias novas, mas da enorme força das ideias velhas; falar-nos de coisas insólitas como os grafitti do Bairro Alto (tema de abertura de Telmo Correia) não é sintoma de desespero, mas de que o essencial se considera ganho; dar-nos a optar entre o nada e a coisa nenhuma não é confissão de incapacidade, mas declaração de antecipada vitória: Lisboa está a morrer porque há quem viva das cidades mortas.
Lisboa perdeu, em vinte e cinco anos, um terço da sua população residente; mas o essencial é que se mantenha o gigantesco projecto imobiliário desenvolvido com o rigor do capitalismo, a competência dos investidores e a seriedade dos interesses.
Lisboa perdeu árvores e sombras, casas e caminhos, centros pequenos e periferias próximas; está alagada em cimento, afogada em automóveis, entulhada de vazio; dos seus bairros históricos restam milhares de casas a cair e multidões de velhos sozinhos; os seus bairros sociais são a negação da cidade e a denegação da cidadania; mas o essencial é manter a segurança dos que assim se sentem seguros, a liberdade dos que assim se crêem livres, a fraternidade dos que assim se sabem senhores.
No eterno berço do desenvolvimento, o lucro e o poder são a mão que eternamente embala.
Há um programa para a cidade que não assenta em desenvolver Lisboa mas em devolver a Lisboa as pessoas dela. Que não propõe modernizar, mas harmonizar. Que quer a transparência da democracia e não a aparência da neutralidade técnica. Que dá aos números a importância dos números, e à qualidade o valor da qualidade. Que sabe que PDM não é a sigla de Para Dar Mais.
Esse programa está condensado Aqui e vem na sequência deste outro Aqui .
Há um programa para a cidade e há eleições em Lisboa. Há uma dívida astronómica, investigações policiais, estratégias de poder, rivalidades e alianças de poderosos. Vai haver uma campanha de ensurdecer, um ribombar de insignificâncias, uma apoteose de lugares-comuns. Mas tudo isso em volta de uma cidade, e tudo isso em volta de muitas vidas. A nossa. As nossas.
Quase já não sabemos o que é uma cidade viva. Quase já não sabemos o que pode ser uma sociedade livre. Não gostamos de pensar que estamos em guerra. Não gostamos de pensar na maré negra. Mas a maré negra avança e estamos em guerra sim. Contra a subserviência disfarçada de rigor, o abuso mascarado de seriedade, a pilhagem sistemática revestida de competência. Porque estamos em guerra contra quem guerra nos faz, mesmo quando não damos por isso e mesmo quando nos queremos esconder nas areias do dia. Areias leva-as o mar, areias são as primeiras a saber a maré negra. Já adiámos dias demais.
Vivemos num mundo em que acordar é discordar e em que existir é resistir. Não fomos nós que o fizemos. Mas não foi ele que fez tudo o que em nós há. Vivemos numa cidade e num país e num mundo que podem mudar, e que todos os dias mudam. Para o melhor e para o pior. Talvez não haja solução. Talvez haja e não a encontremos. Talvez a encontremos e seja tarde demais. A mão que embala o berço já abalou os fundamentos do mundo. Mas talvez o mundo esteja ainda na nossa mão.
Lisboa e Portugal e o mundo estão a um passo de muita coisa. E uma delas é serem só o espaço de alguns. Mas agora vai haver eleições em Lisboa, e não vai haver eleições no mundo. E trata-se de travar a apropriação de Lisboa para que Lisboa seja uma cidade apropriada. É agora, e Lisboa agora é urGente.