A verdade a fingir ("Que fazer?")
Transcrevo agora de "Calor" ("Heat"), de George Monbiot, trad. portuguesa da ViaOptima, 2007:
"O cientista-chefe do governo britânico, Sir David King, foi heróico na chamada de atenção que fez para os perigos das alterações climáticas, e fartou-se de ser criticado por causa disso. (...) Em Setembro de 2005, assisti a uma conferência em Londres em que Sir David era orador. Disse ao público que uma meta "razoável" para estabilizar o dióxido de carbono na atmosfera era 550 partes por milhão (...) a meta estabelecida pelo governo britânico. Seria "politicamente irrealista", disse, exigir qualquer número mais baixo.
Simon Retallack, do Instituto para Investigação de Políticas Públicas, levantou-se e lembrou a Sir David que enquanto cientista-chefe o seu dever não é representar a realidade política, mas sim representar a realidade científica (...) Sir David respondeu que se recomendasse um limite mais baixo perderia credibilidade junto do Governo.
Penso que muitas pessoas sentem como ele: que se adoptassem a posição determinada pela ciência em vez de a posição determinada pela política, ninguém os levaria a sério.
Mas o pensamento que me preocupa mais é o seguinte. À medida que as pessoas dos países ricos (...) começam a acordar para o que a ciência está a dizer, a negação das alterações climáticas parecerá tão estúpida quanto a negação do Holocausto ou a insistência em que a Sida pode ser curada com beterrabas. Mas a nossa reacção será exigir que o governo aja, enquanto esperamos que o não faça. Desejaremos que os nossos governos finjam agir. Ficamos com a satisfação moral de dizermos o que sabemos ser correcto, sem o desconforto de o fazer.
O meu medo é que os partidos políticos da maioria das nações ricas já tenham reconhecido isto. Sabem que queremos metas exigentes, mas que queremos também que essas metas não sejam cumpridas. Sabem que resmungaremos sobre o seu fracasso em impedir as alterações climáticas, mas quie não iremos para as ruas. Sabem que nunca ninguém se amotinou em nome da austeridade."
Não se pode ser mais claro, digo eu agora. Se alguém que me lê tiver 17 euros para investir, leia este livro. E acrescento que é por esta brecha que vai passar o fascismo do século XXI. Não vai ser um fascismo nascid0 na rua, como o antigo. Vai ser uma coisa tecnológica, pensada, organizada, fria. Já o começa a ser. Será, e isso é o mais caricato, uma tecno-ditadura verdinha.
7 Comments:
Humm... Não creio que as massas deste início de século XXI e anos vindouros estejam dispostas a tolerar tiranias de "iluminados", "sábios", "santos", "doutores", "generais", "ecologistas", "tecnocratas" etc,.. quaisquer que sejam as suas plumagens ideológicas.
As massas já estam bastante alfabetizadas e instruídas, e já desmistificaram o poder. Sabem que os governantes são apenas tolerados enquanto elas, massas, assim o desejarem. Mesmo em situações de graves perturbações de ordem pública motivadas por fenómenos naturais, quaisquer medidas de excepção prolongadas para além do tempo que for razoável serão rápidamente punidas pelas populações através da destituição dos responsáveis políticos.
Repito: as massas já não toleram governos que não possam destituir. As tiranias que ainda subsistem no mundo têm os dias contados. Os progressos da alfabetização e da facilidade da circulação de informação (internet) ditarão a sentença dessses regimes.
Caro Tiger: uma falha no abastecimento de electricidade às grandes cidades e ... plof. Adeus internet.
De resto, estou de acordo contigo quando dizes que as massas "toleram" os governantes "enquanto o desejarem". Mas isso não se aplica a quem controla o verdadeiro poder: o desejo das massas. Os Mários Linos deste mundo são facilmente descartáveis. Por isso mesmo que não são eles quem têm o poder.
Quem teria "tolerado", em 2003, uma proclamação de guerra ao Iraque anunciada para durar quatro anos sem se lhe ver o fim?
Gold, não te esqueças de que o princípio de funcionamento da internet como rede descentralizada e redundante foi idealizado por pessoas que trabalhavam para os militares. A ideia é de que a rede se mantenha a funcionar mesmo que alguns nós importantes estejam em baixo como poderia acontecer com bases bombardeadas, em situação de ruptura energética ou outro tipo de perturbações graves. Por outras palavras, a rede foi concebida para ser robusta. E é robusta!
Sobre o desejo das massas não me pronunciarei por agora, recordando apenas que para além dele, há também as suas necessidades vitais.
Quanto à tua última questão apenas reafirmarei o óbvio: o eleitorado norte-americano está a terminar a sua experiência das duas últimas administrações republicanas e dará a resposta nas urnas.
Tiger:
a Rede é robusta, sim. Como acedes a ela em tua casa quando a luz vai abaixo? :P Quanto tempo dura a bateria do teu portátil?
Quanto à resposta dos americanos ao Bush, veremos. Vai ser uma eleição bem importante. Mas a época dos Kennedys já passou, infelizmente
Um "apagão" de algumas horas ou dias em algumas regiões não põe em casa o carácter mundial da rede como meio de circulação de informação.
Uma situação de "apagões" generalizados e persistentes seria incompativel com a civilização moderna. E estou a pensar mais nos frigorificos do que nos computadores :P
LOL, o que é que quer dizer "incompatível"? :)
Além dos frigoríficos (e dos elevadores e do ar condicionado, nas cidades americanas) tens duas coisas bem frágeis também: as bolsas e a rede de comunicações electrónicas bancárias. Todo o dinheiro do mundo.
Claro, aqui estamos a entrar alegremente em cenários muito especulativos e improváveis.
abraço.
Por vezes podemos levar mesmo os assuntos mais sérios com uma pitada de humor :)
Abraço Gold.
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