Monday, July 02, 2007

O medo (conversa com Tiger Claw e Gotika)

(ver as observações do Tiger Claw, e da Gotika, em comentário ao meu "que fazer" no penúltimo texto)

Algo suficientemente atroz para um verdadeiro "medo planetário" teria que ser uma ameaça para além do "planificável": o clássico asteróide em rota de colisão, por exemplo. Não é disso que se trata.

>Mas vale a pena reparar na diferença - e no progressivo alargamento da diferença - entre o Reino Unido e os EUA no que toca ao ambiente. A Grã-Bretanha é uma ilha frágil. Nós, aqui em Portugal (e abstraindo agora das consequências ambientais em cadeia que se seguiriam), viveríamos pior sem a corrente do Golfo, mas viveríamos; a Grã-Bretanha voltaria ao gelo pagão do Norte Europeu. E penso que no inconsciente inglês (em sentido estrito) vive ainda uma coisa que também os torna únicos (ou quase): a Inglaterra foi o único país de onde as legiões de Roma se retiraram sem combater. Tudo isso foi reavivado por dois séculos de culto literário das lendas de Artur: as águias voam para o pôr-do-sol, e ficamos sozinhos a enfrentar os bárbaros.

Não, o medo de que falo é o medo que as massas venham a sentir nos países onde as persuadiram de que o poder lhes estava entregue: é o medo no coração do império, e por tabela o medo nas periferias do império, onde nos situamos nós e alguns outros. E embora os caminhos do fascismo americano sejam diversos dos do fascismo europeu, não penso que apenas o primeiro seja "teoricamente possível" (em Portugal, grande parte da população está manifestamente disposta a entregar a liberdade a um chefe "forte", mas Portugal é, também, um caso à margem. Para já).

Ao longo do mês de Junho - que foi pacato em termos globais - uma tempestade tropical ameaçou muito de perto a região do Golfo, coisa que não acontecia pelo menos desde 1930. Os preços do petróleo oscilaram um pouco (nenhum jornal português de economia relacionou os dois factos, e no entanto bastava ter lido as primeiras páginas dos jornais financeiros de Londres). Depois, um tufão asiático atingiu directamente 800.000 pessoas habitantes das regiões alagadas, as mais frágeis do planeta. Os nossos jornais falaram disso como "época das chuvas". O medo dos outros, e o medo dos pobres, é para nós coisa de não-saber.

No entanto, a FEMA (a "protecção civil" americana, a quem coube a primeira - e manifestamente insuficiente - resposta à destruição de Nova Orleães, já reclamou que lhe fossem concedidos "military powers". Um aspecto é o do esforço de guerra americano no Médio Oriente, que retira à segurança interna dinheiro e material de primeira ordem. Mas os Estados do Sul começam a deslizar para uma psicose de vigilância. Tudo depende de voltarem a ser atingidas as grandes cidades.

E desta vez o fascismo não vai ter bandeiras, hinos e desfiles; não vai ser "ideológico". Vai ser apenas - se alguma coisa for - a proclamação do estado de emergência e a gradual suspensão dos direitos individuais em nome da sobrevivência colectiva. Até aí nada que um governo democrático não tivesse de fazer à mesma. O problema é, claramente, a hierarquia de prioridades em tal situação. Começa-se por restringir a propriedade privada ou começa-se por restringir a liberdade de expressão? E eis que a História está de volta.

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