Sunday, February 12, 2006

O Profeta, o Arcanjo, o Urinol e a namorada dela (I)

Não sei fazer links para artigos de jornais, nem sei se ele está disponível. De modo que vou só resumir a história. Leiam, se puderem, a crónica de José Eduardo Agualusa na Pública de hoje.



Em 1917, o incontornável Marcel Duchamp (finalmente alguém a quem se aplica bem esta detestável palavra) comprou o objecto que aqui reproduzo, escreveu a tinta o nome que se pode ver (não era o dele) e inscreveu o resultado - com o nome usado a escrever - numa mostra de artes de que ele próprio integrava o juri. Para o bem e para o mal, nasceu nesse dia o mundo em que hoje nós, os pós-ocidentais, vivemos. E parece que essa obra de arte - eu ignorava-o até hoje - está disponível para os nossos olhos ávidos em oito versões originais.

Em Janeiro deste ano, um senhor chamado Pinoncelli, artista plástico, de 77 anos, terá sido condenado por um tribunal francês a pagar 214.000 euros ao Centro Pompidou de Paris por ter desferido umas fortes pancadas de martelo num dos tais oito exemplares únicos. O senhor Pinoncelii proclamou, em vão, que o seu objectivo era superior, porque era artístico: discípulo do mestre Duchamp, quis manter a tradição dele colocando tudo radicalmente em causa. E o que os estupefactos guardas do museu tinham diante dos olhos não era um urinol vandalizado (que aliás abundam) mas uma nova e única e inexprimível obra de arte: talvez o "urinol do professor Marcel fragmentado como o mundo", de Pinoncelli (por mim, proporia "pénis desiludido III"). E pelo contrário, os juizes zelosos que pretendessem salvaguardar a arte tal qual estava estariam, eles sim, a ofender os próprios princípios do Mestre.

Aprendi há muito que não há coincidências, e acho admirável que isto tenha acontecido - e que Agualusa o tenha contado, e que eu tenha, contra os meus hábitos, comprado o jornal - no momento em que o mundo discute cartoons e profetas e liberdades de expressão, e que Portugal tenha aproveitado esse facto para que o tema do significado legal do casamento (e das raparigas que tentam o improvável reconhecimento do seu direito) tenha sido relegado para o quarto de hora das glórias passadas. Talvez eu ande desfasado.

Como explicar que, nos três casos, é (também) o mesmo que está em causa? Talvez começando pelo princípio.

Uma das coisas mais difíceis de explicar a um ateu é que, para os seguidores de algumas religiões (entre elas as cristãs e a muçulmana), deus existe como algo mais que um "conceito filosófico", e que as pessoas não morrem quando morrem (pois que apenas morre o seu corpo, que não é elas). De modo que a "blasfémia" não é um ataque a uma opinião, mas o ataque a uma pessoa (deus ele mesmo, para simplificar). É claro que a moderna lei ocidental considera como pessoas apenas os seres humanos, e mesmo assim com restrições (é preciso que tenham nascido). E que nenhuns direitos são reconhecidos a deus. Do ponto de vista racional, é uma opção sensata: na verdade, se reconhecêssemos direitos a deus, logicamente nenhuns direitos poderíamos reconhecer aos seres humanos. Todas as coisas são dele. Mas é dificil que um crente deixe de ter a sensação que a lei, a partir daí, se tornou um sistema incompleto. Com isto quero apenas chamar a atenção para o facto de a solução laica "toda a religião só no teu íntimo" apenas é compatível com a ideia de um deus que seja não mais que isso mesmo. Uma ideia, ainda que muito bonita. Os "católicos", na sua grande maioria, estão aliás já em grande parte persuadidos disso mesmo. Para um muçulmano educado numa sociedade tradicional (ou para um cristão de há duas ou três gerações atrás), um cartoon é igual a um martelo no urinol, e não a um insulto ao artista que o concebeu. É esse o drama que se esconde por trás da trágica história de como se cozinha uma guerra.

Na semana passada, encontrei nos blogs dos meus amigos católicos (a verdade é que evito visitar a maior parte dos blogs católicos - e em rigor também a maior parte dos que o não são) acesas discussões sobre a "aceitabilidade" do casamento como o que a Lena e a Teresa (detesto esta intimidade com pessoas que não conheço) pretendem. Gostei muito de ver algumas opiniões ("não consigo descobrir em que é que a minha história de amor é diferente", foi dito no Jardim de Luz) e reagi mal a certos comentários. Com estes, ficou absolutamente claro que, para alguns, deus mandou que apenas o homem e a mulher se "unissem", e o Arcanjo que expulsou os nossos pais do paraíso anseia por voltar a desembainhar a espada, esse símbolo fálico. E pronto. O problema está na blasfémia, e o martelo da luxúria ameaça o urinol divino. Para outros (ah, para tantos outros, e aqui a palavra "outros" é masculina mesmo), a ideia de os outros serem homosexuais remete para o mundo sombrio do urinol de uma forma, digamos, bastante mais física. É trágica a fragilidade dos "homens".

Oops. Isto vai tão longo. A ver se continuo depois.

35 Comments:

Blogger Lord of Erewhon said...

Ai, ai... como tu andas...

3:57 PM  
Blogger Edo said...

Fico feliz que tenha voltado a escrever por aqui.

12:31 AM  
Blogger aquilária said...

este "meio post" deixou-me um pouco confusa. não li o público, não percebi porque é que comparas essa destruição do "urinol" do duchamp ao caso dos cartoons.
e no caso das duas mulheres que pretendem casar, julgo que o que está em causa não é a "validade" desse amor, sobre o qual ninguém, a meu entender, tem de emitir juízos ou pareceres, ou mesmo estabelecer comparações com outros modelos existentes. a questão aqui são direitos legais adquiridos, julgo ser esse o motivo - e não outro - pelo quais elas pretendem casar.
agora, a manipulação que, do ponto de vista se pode fazer, e se tem feito, quer do caso dos cartoons, quer do caso das mulheres que pretendem casar,essa sim, mostra que para os "clubes", qualquer causa serve, desde que a sua defesa lhes garanta um significativo aumento de adeptos.

6:06 AM  
Blogger aquilária said...

queria dizer:
a manipulação, do ponto de vista político,...etc etc

6:10 AM  
Blogger /me said...

Muito bem escrito. Uma delícia ler este post!

7:13 AM  
Blogger Goldmundo said...

Obrigado, Menina :)

Aquilária, no artigo do Publico só se conta a historia do Sr. Pinoncelli. O ponto que eu pretendo focar (acho que não fui claro, àquela hora não estou ainda muito acordado...) é o de que os juizes entenderam que o martelo de Pinoncelli já não é "liberdade de expressão".

Quanto aos clubes, sejamos claros: quem defende uma proibição é que tem que a justificar. Não quem invoca uma liberdade.

7:57 AM  
Blogger aquilária said...

This comment has been removed by a blog administrator.

8:28 AM  
Blogger aquilária said...

bem, bem...o sr.pinoncelli, de martelo na mão, talvez quisesse dizer que a destruição de uma obra de arte pode, em si, ser uma atitude artística...se não estou errada, o duchamp questionou, de forma ultra-polémica, o conceito de arte. enfim, questões sobre questões.
e se digo que não comparo este caso ao dos cartoons, é porque a marteladas do sr. pinoncelli não seriam dadas por encomenda.
e quanto ao resto, goldmundo: politicamente invocam-se as liberdades como isco para obter mais poder. e obtém-se o poder, para que ele seja exercido sobre alguém, não é? não há liberdades, há liberdade e essa não nos é concedida por intervenção de nenhum "clube".

8:52 AM  
Blogger Goldmundo said...

... aquilária: ou, se quiseres, o que se discute é se a liberdade (de expressão ou artística, tanto faz) inclui, ou não, a destruição de uma... como direi? situação pré-existente (artística ou não).

também creio que o caso dos caroons não é redutível ao do patusco senhor pinoncelli, mas aqui deveriamos distinguir o plano político e o plano - que é aquele em que a quetsão tem sido colocada - da sacrossanta liberdade de expressão. "Ilimitada", tenho eu ouvido dizer em todo o lado, e o Pinoncelli serve apenas de exemplo para uma situação em que a "ilimitação" poderá ser questionável...

não sei se também estás a pensar no caso "teresa e lena"... aí, eu diria que independendentemente dos iscos e contra-iscos, estamos a falar de um direito (?) concreto. O curioso é o duplo plano em que a discussão é colocada: os adversários do reconhecimento desse direito frequentemente invocam argumentos de ordem "geral" (por exemplo, para falar de intervenções "públicas", Miguel Sousa Tavares: "qualquer dia eu, heterossexual full time [?!], estou na clandestinidade".

10:51 AM  
Blogger zazie said...

isto está muito bonito mas o argumento de Deus mandar ou não mandar não vem ao caso para o casamento. Só vinha se quem diz isso também impedisse que se unissem e fossem muito felizes.

Quanto aos juízes e ao martelo também não bate a bota com a perdigota.

Eu até acho que o urinol,as piquenas os juízes e a dona liberdade já adquiriram direito a incenso de museu, por isso...

2:42 PM  
Blogger zazie said...

outra questão para o Goldmundo. Não há quem defenda proibição. Isso é falácia. Só se pode proibir aquilo que sendo viável não se permite.
Ora como 2 sexos idênticos nunca foram viáveis para continuar a vida, não é a noção de casamento que impede que o sejam, são eles. naturalmente.

É como a história da Loreta da Vida de Brian. Esse também queria ter filhos mesmo não tendo trompas. E depois, quando lhe fizeram ver isso, continuou na mesma. Queria ter filhos para protestar pela repressão de não ter trompas e não os poder ter

":O))

2:45 PM  
Blogger Goldmundo said...

Falacioso poderá ser o argumento de que a justificação jurídica (não sociológica, não teológica, mas jurídica) do casamento é a "perpetuação da vida". Ela acontece, como dizer, fora de qualquer pressuposto contratual...

E a não ser que tomemos em conta certas consequêncis fiscais que serão, em princípio, secundárias - como a aliás ridícula "dedução" permitida por "descendentes a cargo" - não vislumbro que a lei distinga entre casamentos "frutíferos" e "infrutíferos".

Não, tem de haver mais qualquer coisa.

4:07 PM  
Blogger Fata Morgana said...

Escreveste um "meio-post" que vai para o silêncio das minhas reflexões. Aguardo a continuação.

4:48 PM  
Blogger zazie said...

Goldmundo,

Se queres debater a questão então voltamos atrás porque no outro post da ribeira já expliquei os motivos dessa história de ser ou não frutífero.

Mas tu aí passaste à frente por isso nem se vale a pena voltar a essa treta e também não me apetece fazer copy past do que já disse.

Posso tentar um resumo e fazer de advogado do diabo, se assim se adiantar alguma coisa.

1- a questão da reivindicação do casamento não pode ser vista
a) como uma mera questão de amor- para isso que tenham sorte e vivam felizes, sem mais
b) como uma questão de direito igual em pé de igualdade com qualquer casal hetrero- porque faltava, quanto mais não fosse, dizer se se vai incluir o direito a adoptarem crianças (para além das que já possam ter) como sucedeu em Espanha, onde esse direito não veio incluído no pacote.
c) não é uma mera questão de direito individual porque se assim fosse não mexeria com a sociedade no seu colectivo. E mexe. Por todas as razões que se sabe e quanto mais não fosse pela “inauguração de uma “família” nova
2- Assim sendo, a questão central diz respeito aos modelo passíveis de serem alterados na noção de família de uma dada sociedade tendo em vista todos os choques e complicações e até estruturas psicológicas que a sustentam

3- Passar à frente disto e argumentar que é por uma mera questão de benefícios fiscais e outros não explica. Porque esses podem existir de mil e uma maneiras legais que prescindem de serem incluídos no casamento.

4- Não pode também incluir-se como um direito que visa normalizar os benefícios dos cidadãos em geral porque se assim fosse os solteiros não pagavam a conta. Ex: existem legislações estatais que dão facilidades e prioridades de local de trabalho a casais e não o dão a mães ou pais solteiros mesmo que tenham família à conta. Mantendo-se essa discriminação, a par da fiscal e passando a incluir os homo contra os solteiros com filhos só se aumentava a discriminação dos ditos solteiros com família a cargo.

5- Para não demorar muito porque o resto já tinha exposto no outro post e tu é que não quiseste entrar, fica o contraditório

E o contraditório que posso deixar em aberto é que não vivemos em mundos fechados apesar de termos leis independentes do resto do mundo.

I- A verdade é que este foi um trunfo que já foi ganho noutras paragens. Não é novidade no nosso país. O que daí vier não é também travado ou agravado por acedermos a mais uma normalização da moda.

II- Restam escolhas e saber o que contamos nestas escolhas e em que somos ou não somos responsáveis para onde empurramos o mundo.

III- Eu digo que se houvesse referendo havia legítima vinculação da escolha á população. Não havendo existe a lei do mais forte. De quem berra mais alto, de quem tem o melhor lobbie e de quem se vende por votos.

IV- Resta também a responsabilidade pelos que são menores e não o pediram. Pelos jovens a quem achamos que temos o direito de mudar até as estruturas psicológicas com que andámos e ainda andamos a justificar as nossas preocupações pela harmonia mental de cada um. Mas como digo, o Freud mesmo morto na prática pela adopção desta família abstrusa que nunca existiu em sociedade alguma, ainda vai continuar a funcionar. Para nada.

5:05 PM  
Blogger zazie said...

copy paste, de pastar

5:06 PM  
Blogger zazie said...

«Não, tem de haver mais qualquer coisa. »

e explica-me porque é que mandas esta sentença para o ar com este tom divino.

Porque é que não tem de haver mais qualquer coisa.

Acaso estás habituado a chamar mãe ao pai e pai à mãe e incluíres no casamento a necessidade até de adultério para arranjares filhos fora dele uma vez que dentro não é possível até que o façam como os caracóis ou se clonem?

E qual seria o estatuto desse pai ou mãe biológica começando a história como Adão e Eva no Paraíso,neste caso do mesmo sexo, e com concubina de sexo oposto à disposição para o que lhes der na vontade?

5:18 PM  
Blogger zazie said...

Mas se as coisas se passassem nos termos em que as colocaste: “uma interdição a pesar sobre o casamento entre um casal homo” então porque motivo essa “interdição” só deve deixar de existir para o casal homo e não para o polígamo ou para o incesto? Já para não falar nas milhentas “interdições” que nos pode passar pela cabeça que são capazes de existir na dita figura da célula da família que dá pelo nome de casamento

Interdição? Interdição ou não contemplação por estar fora dela?

No caso da poligamia até existe adoptada por lei porque existe na prática.

No caso do incesto existe na prática mas creio que adoptada (legitimada pelos costumes nem tanto assim pois faz parte de um tabu)

no caso da união homo existe mas não faz parte da história do mundo tela adoptado para algo que nunca serviu- um arquétipo social de base da família.

6:11 PM  
Blogger Vítor Mácula said...

Caros.

Realmente... A Lena e a Teresa... Daqui a bocado estamos nos diminutivos...

Venho informar as hostes que mister Brian Eno, músico duchampiano de renome, já urinara numa dessas famosas fontes - embora não o tivesse conseguido directamente devido à vigilância da exposição, voltando lá no dia seguinte com uma garrafinha com o precioso líquido que verteu então no invertido urinol (fonte).

É evidente que dentro da superação do objecto de arte separado do sujeito, coisa que o martelo conceptual de Duchamp assim como várias outras coisas atacaram com toda a força da ironia e do desespero (o desespero não é para o Duchamp, mas para as outras coisas...) - são o mister Eno e o monsignore Pinoncelli que vão na corrente de sentido poético e artístico da coisa, e não esses ricamente pobres curadores de exposição que integram as fontes no seu ror de mercadorias de contemplação. Diga-se também que não foi a arte contemplativa que foi desfeita (não se olha é para uma obra de Duchamp e muitas outras, do mesmo modo que para uma obra pictórica ou escultural) mas sim a arte "no geral" que abriu o seu leque de possibilidades, leituras e acções.

Eu agora podia contar uma que fiz numa exposição do Beuys, mas apetece-me é referir que as marteladas do Pinoncelli não remetem para a famigerada "liberdade de expressão" porque são um acto, uma acção concreta (ainda por cima numa mercadoria artística de elevado valor... :) E embora me pareça que esta analogia é problemática, trata-se na liberdade de expressão, geralmente, duma liberdade representacional (discurso verbal, pictórico etc) Se em vez de representarem caricaturalmente não sei o quê, os autores dos cartoons tivessem agido sobre objectos (sagrados ou outros) ou fisicamente sobre pessoas, a conversa seria outra - como o deve ser, penso eu, se incendiarmos embaixadas ou mesquitas, com ou sem pessoas lá dentro.

Isto quanto aos princípios. Quanto aos casos, tanto da Leninha e da Teresinha como dos cartoonzões (ena pá!) os casos têm tanta estratégia, politiquice, interesses e etc que... sei lá.

O Miguel Sousa Tavares deve ter apanhado com sol a mais no deserto ou no alentejo.

"A vida de Brian" é uma obra-prima da comédia.

Ah, e já que disparo disparato, o Duchamp dizia que os políticos eram ingénuos que mexiam com papeis e discursos e decisões segundas, e que tal amnuenses pensavam que a realidade por ali se geria, quando a oposta é que é válida.

Quanto a referendos como aferição de escolhas dessa indistinta entidade chamada "população", a minha melancolia e ironia não me permitem distingui-los, precisamente, da sociedade de representação onde é sempre quem berra mais "alto" que acaba cravado no glorioso ecrã político. A população escolhe tanto uma lei como estar postada frente à maior árvore de Natal da Europa. Dito isto, eu até sou a favor de referendos, embora nunca tenha votado em algum, nem no famigerado acerca do aborto que parece estar em vias de repetir-se.

Querida Zazie, nos também gloriosos mas menos representacionais tempos da Grécia clássica a reprodutibilidade estava separada da vida amorosa... e esta era "institucionalmente" bi-sexual. Agora que unimos a reprodução à vida amorosa... como pensar a família?...

Este comentário velozmente escrito não vai revisto (como é meu costume, mas este foi tão velozmente desgarrado...), não se garantindo não-contradições cuja responsabilidade é inteiramente assumida pelo apressado comentador, quanto mais não seja em homenagem ao Duchamp mas na realidade muito muito mais...

Abraços.

9:41 AM  
Blogger zazie said...

ora bem caro mácula,

as traulitados no urinol e o próprio serviram apenas para negar a intenção. Não foi a arte que se destruiu mas o campo que se alargou. Destruia-se se o caminho fosse inverso. Levassem o urinol do Duchamp para um casa-de-banho e o martelo para uma de ferragens e a história tinha sido outra.

Quanto aos cartoons e liberdade jornaleira e à sacralidade de um pano chamado bandeira e uma casa chamada embaixada- abrigadas pela lei internacional- é isso mesmo- há símbolos e símbolos, há gozar e insultar. Uns dependem do contexto, outros da intenção, outros ainda da moda.

Quanto ao resto, à Grécia que já não é a que ganha o campeonato, teve tanta coisa a seguir que a que conta é a do campeonato.

Como o amor. Começou depois da união, não com o direito de vida do pater famílias sobre os seus. Veio com o contrato medieval. E está agora a ser esfrangalhada em nome de um novo Deus- o do Eu.

O Goldmundo é que julga que o deus é amoroso e a culpa é do Cavaco e liberalismo. Mas está enganado - o triunfo é todo liberal. Até nesta reivindicação egoísta.

Quanto aos referendos e que podemos e não podemos também tem razão- não mandamos nada, nem com referendo. Já fazemos parte dos que vão ficar para alimentar e procriar para os novos conquistadores.

De qualquer forma não há crime. Há indiferença. Estamos quites.

12:45 PM  
Blogger Lord of Erewhon said...

Fónix! Casem-me já essas gajas!... para ver se o pessoal começa a variar o tema do debate!
Que tal... a estupidez colectiva?
Os putos que morrem de fome?
A frustação sexual das portugas das punhetas virtuais?
Ou, quiçá, até debater por que raio - com tanta conversa - ainda não combinámos uma sessão de foda colectiva??:)=

3:33 PM  
Blogger Vítor Mácula said...

Cara Zazie.

Conhece aquela do Picasso, ao perguntarem-lhe o que é arte?... Disse ele que era ele ir a passear e deparar com uma bicicleta esfrangalhada abandonada num aterro, olhar para ela e pensar Eh pá, que material fantástico para realizar a minha ideia escultural duma cabra. Daí ir para o atelier, começar a trabalhar o material biciclesto horas a fio, a fio, a fio, até chegar a um daqueles momentos tão conhecidos dos brincalhões artistas de “não estou a chegar a lado nenhum”, “está uma bosta”, “não funciona de todo”, e nesse estertor irritadiço que assola o brincalhão e porventura a sua vaidade, atirar a frustrada e frustrante cabra pela janela e sentar-se com uma depressão artística quiçá vaidosa e orgulhosa. Na rua, passa um puto, olha para aquele amontoado de material retorcido e trabalhado, e diz: Eh pá, isto parece uma cabra… mas isto… eh lá, vou levar isto para casa que acho que dá para eu fazer uma bicicleta…

Quanto à parte jurídica – nacional ou internacional – sou um pouco intencionalmente leigo no assunto. A minha desgarrada tinha mais a ver com impressões pessoais, inclusive duma blogada exterior a esta que me inoculou vapores mentais de visionária analfabeta, confusões entre anjos dos céus e titãs brotados do fundo do indistinto magma terrestre, natureza sexuada universal, absoluta diferenciação e alteridade de Deus e outros estímulos do género que dão para fazer dez mil cabras com um décimo duma bicicleta… ;) Parece talvez não ter nada a ver mas tem, pelo menos com o Duchamp e os Monthy Pithon (Only the real Messiah can deny is own divinity! Eh eh eh)… Pois parece-me que certas discussões reduzem o que se passa a uma chã apreciação da riqueza dos momentos vividos, e que sustém isto tudo mais os enunciados e juízos que sobre tal se possam fazer – desde as Lenas e Teresas aos Abduls, Abraões, Platões e todos euzões próprios ou impróprios. As coisas todas ribombam de vida, e eu tendo a resistir à permissão dos juízes republicanos (e muitos outros, mas para os casos…) e suas polícias respectivas virem enquadrar a vida íntima e profusa e regulamentá-la a partir dos seus contratuais e assustados pontos de vista.

Percebo evidentemente que é necessário, e que a paz civil – essa mais agradável forma de guerra e conflitualidade civil – é algo a ter em conta. Mas hei-de sempre fazer notas de rodapé…

A da Grécia era apenas um exemplo (enfim, admito que a minha costela pré-moderna rejubila de socratismo, mas pronto…) no sentido da interrogação acerca da visível bi-sexualidade da natureza e sua relação com a vida afectiva e emocional dos mui naturais humanos. Relaciona-se com esse argumento que me parece vago e impreciso – to say the least – de que nunca a homossexualidade foi estruturante do “casamento” (seja lá o que isto for em cada época e lugar…) Penso que foi o Lévi-Strauss que estudou as estruturas sociais duma cultura (minoritária geográfica e culturalmente, mas quanto à aferição de possibilidades naturais da humanidade, não é evidentemente a quantidade que conta…) em que a procriação era assegurada por uma orgia colectiva e ritualística anual, e a prole era colectivista (um pouco como em Esparta, ai costela costela…) Reduzir as possibilidades culturais do humano ao mui glorioso grego e latino e cristão ocidente não assegura universalidade antropológica… Digo eu que sou grego e latino e cristão…

Agora o amor cortês (sou pouco legalista e o estudo não dá para chegar a todo o lado, quero dizer, não sei de que trata esse “contrato medieval”) e ao casamento cristão estar a ser dissolvido pela pós-modernidade, não sei… Sei que há um problema de centralidade organizacional da sociedade a que se dá o nome de multiculturalismo… e que permite e legitima uma cultura do ego, sim, entre muitas outras… Não sei muito bem se a coisa se pode por em termos de “campeonato”… A mercantilização do mundo é sem dúvida algo de assustador… Seja como for, quanto a Deus, estou absolutamente de acordo com o que a Zazie pensa que pensa o Mestre Gold, isto é, que Deus é amor… Quanto ao resto, não sei com tanta afirmação… O Cavaco tem muito que ver com a mercantilização do mundo (o termo personalista na sua boca seca não sei se augura algo de muito humano… :) Não sei se o triunfo é todo liberal… Há no liberalismo, que realmente favoreceu o comércio nos países-baixos a partir do séc. XVII sobretudo, uma abertura à diversidade multicultural e religiosa que não corresponde bem à laicização materialista e mercantilista que hoje vivemos… Tudo isto é muito intricado e complexo e até contraditório… Entretanto meteu-se uma revolução industrial, um extremo desenvolvimento tecnológico da espionagem e controlos não apenas estatais, uma globalização na comunicação e nos transportes e muitas outras confusas coisas…

Não percebi muito bem a do crime e da indiferença e do estar quite… (Talvez devido à minha parca cultura jurídica ;)

Enfim…

Um abraço.

4:24 AM  
Blogger aquilária said...

caríssimos,

pouco ou nada tenho a acrescentar ao que aqui já foi dito.
relativamentete a cartoons, caroons (gralha muito engraçada em comentário do goldmundo), sujeitos&direitos, liberdades&predicados, eu diria que gratificante, mesmo, seria sentir a viva interacção das 3 premissas "liberdade/amor/responsabilidade" a pautar o normal quotidiano.
e agora deixo um abraço e parto para o 3º café desta manhã.

4:32 AM  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Lord of Erewhon.

Bem, quanto a mim, não tentei combinar uma sessão de foda colectiva porque não estou interessado em tal.

Quanto aos restantes debates propostos, espero adesão de outros (como são, digamos assim, teóricos ou pelo menos não tão directamente práticos, a conversa é mais extensa pois precisamente ou não seriam temas de pensamento…)

Refiro tão só que não me parece líquido que da punheta (virtual ou outras) derive necessariamente frustração. O onanismo é pensável como fim em si, e não como substituição da foda. Não tenho bem a certeza que na prática seja possível, e dou-lhe nessa afirmação o benefício da dúvida… :)

Um abraço.

4:36 AM  
Blogger aquilária said...

vitor, vitor, vitor, quase me entalaste entre os teus dois comentários!!

:)))

4:43 AM  
Blogger Vítor Mácula said...

Aquilária, aquilária, espero nesse entalanço não te ter entornado o café... Ou por outro lado... Quer dizer, o 3º?!... Eu também sou um pouco assim, mas à noite dedico-me agora aos descafeinados (conselho de amigos)... Mas não estou nada convencido, porque da bica apenas têm o aspecto, parece que se está a beber água suja e açucarada buerk! :)

5:18 AM  
Blogger zazie said...

Eu queria dizer muito menos

Apenas que não costumo julgar quem é adepto de determinadas modas mas se esses garimpam demais e começam a chamar “reaccionários” ou homofóbicos aos outros então há que lhes mostrar o que também podem ser.

E para isso é preciso desde logo desfazer a demagogia- a demagogia que quem é contra o casamento homo não é pela liberdade e impede as pessoas de serem felizes.

Porque casamento é instituição e não oferece por si felicidade a ninguém, e amor é outra coisa e por mim até podia ser com o cãozinho ou com o piaçaba que não me intrometia

Agora se dizem que é proibição e são os reaçãs que impedem a liberdade eu pergunto:

E porquê só a família homo, já agora? Porque não a poligamia ou o incesto que até se reproduz sem precisar de “aluguer” extra?

E se não é a família mas apenas o contrato, como diz o Gold, então porque não com a ovelhinha doméstica ou com o computador, ou até com a sua imagem ao espelho?

E se isto é falta de liberdade eu pergunto para quem? Para os milhares de pessoas que não querem mudar o que dura há séculos, quanto mais não fosse porque sempre se soube que a estabilidade emocional e psicológica depende da formação de um casal hetero,- da figura do pai e da mãe – homem e mulher- ou para meia dúzia de exibicionista proselitistas caprichosos que fazem disto mais uma variante de caça ao voto?

O empate vem daqui: não há progresso nem liberdade nem harmonia ou tolerância- existe capricho, proselitismo de capricho e indiferença dos restantes que sabem que não mandam.
Fora isso também existe o avanço da linguagem orwelliana- a normalização social comandada pelos bons esprits.

E quem ficar de fora é bárbaro.

Viva a barbárie!

5:58 AM  
Blogger Goldmundo said...

Vim aqui várias vezes e hesitei na forma como no conteúdo de um comentário. Hesitei em fazer o outro meio-post ou em aqui continuar. Ou em continuar sem dizer mais nada. Hoje sou mais a ribeira negra.

Acho que vou mesmo para o meio-post, porque uma coisa não tira a outra.

2:58 PM  
Blogger Lord of Erewhon said...

Nã... meu caro Vitor (sem) Mácula... a punheta virtual é mesmo frustração... Sintoma contemporâneo do domínio do homem pela maquinaria! E q - em países tão «morais» - como o nosso... é uma verdadeira ascese! Os papás ficam em fúria qd as meninas fodem com gajos mto mais velhos... mas dp pagam canais-porno para se babarem a ver vítimas da escravatura humana!

10:55 AM  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Lord.

Sim... Talvez... O onanismo em todas as suas formas... seja sempre frustração...

Quanto à maquinaria tecnológica, ela tem realmente um poder titânico - entre outros. Nesse sentido, aliena sempre.

4:14 AM  
Blogger Vítor Mácula said...

Ah, é com mácula mesmo...

4:15 AM  
Blogger katrina a gotika said...

Quanto ao facto de deus como pessoa não ter direitos. Eu gosto muito de racionalidade. E sou adepta da tal coisa que religião é no seu íntimo e MAIS NADA.
Logo, prova que Deus é uma pessoa e em vez de blasfémia podes-lhe chamar injúria e Deus pode mover um processo se se sentir lesado.
Aliás, parece-me que segundo a Lei só o próprio lesado pode mover um processo, certo? Então Ele que o mova.
Gosto pouco de ver homens a pôr-se em bicos dos pés, a fazerem de Deus, tentando processar NA VEZ dele. Nada mais triste.
Aliás, nada mais triste do que um crente que não acredita que Deus se sabe defender sozinho. Deve ter um Deus muito fraquinho, esse crente.
Think about it.

11:58 AM  
Blogger Goldmundo said...

Tens toda a razão, gotika. isto é, eu penso como tu. Limitei-me a dizer "é dificil para um crente perceber..." porque acho que é isso que se passa.

Pelo menos com cristãos e muçulmanos - que são, e julgo que não é por acaso., as religiões que pedem que se "converta" os outros.

Tanto quanto compreendo as religiões orientais, têm a vantagem de não "pessoalizar" a divindade.

2:37 PM  
Blogger katrina a gotika said...

Mas não foi isso que disseste.
Continuo a discordar. A única coisa que é difícil para um não crente perceber é o acto de acreditar. Tudo o resto é mais ou menos difícil de perceber conforme o intelecto individual permita.
Isto que eu disse, que Deus sabe defender-se sozinho, não sei se entra na cabeça do senhor Ratzinger, por exemplo, porque nunca lhe ouvi opinião sobre o assunto, mas não entra mesmo na cabeça de muitos católicos, islâmicos, ministros e pessoas comuns.
Deve ser a minha costela new age a falar por mim.

10:18 PM  
Blogger katrina a gotika said...

Costela, não. Por esta altura já é toda a coluna vertebral.
Fica a admissão pública.

10:19 PM  
Blogger Goldmundo said...

Hum. Vou rever o que escrevi, ou disse.

Acho que isso precisa de um post.

Pois, o New Age. Às vezes irrita-me nao ter mais tempo para falar.

12:25 PM  

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